Avançar para o conteúdo principal

Caocha, a sandborder



Imagem: CM Aljezur

Caocha, era uma carocha das dunas de Aljezur. Vivia a patrulhar as praias, à procura de restos de comida ou ervinha para comer.
Chamavam-na Caocha porque, ela não conseguia pronunciar os “R´s”. Tinha uma linguagem engraçada. Quando era criança ainda se preocupava com os comentários maldosos mas agora já tinha ultrapassado o trauma e até se ria com o facto.
Adorava escorregar naquelas dunas, quase até á água. O seu limite era as margens húmidas do rio. Nunca ultrapassava essa barreira. Ai, viviam os seus vizinhos caranguejos.
O acordo existente entre os dois povos residia no pavor que as carochas tinham da água e na necessidade que os caranguejos têm de esconder na areia molhada, quando se sentem ameaçados.
-Yupiie, vruummmmmmm- fazia Caocha enquanto escorregava por ali abaixo.
-Ai, ai! – alguém gemeu.
Caocha, travou a fundo e olhou para todos os lados. Não viu ninguém.
-Quem fala?
A areia mexeu-se, algures no rasto que havia deixado, e da pequena montanha saiu o Jejas, o caranguejo preto.
-Jejas, que fazes na agueia seca?
-Medi maui a o percurso.
Jejas nunca conseguiu dizer os “ll´s” e por isso vivia sozinho, para não ser gozado. Era um caranguejo solitário. Todos sabiam da sua existência mas nunca haviam falado com ele. Uns diziam que era mudo, outros, que tinha mau feitio.
No entanto, naquele momento de dor e de nervos por ver que tinha violado o acordo, falou.
-Tu falas estrrranho?
-Sim, desde pequeno que não consigo fagar os gggs.
-Humm, os “lll´s”?
-Isso! Tu também não dizes bem os “rrs”!
-Ahhh, isso! Já nem me lembrro! As vezes, até me rrriu comigo prrrróprio.
-Ris-te? Eu não, desde que tentei fagar pega primeira vez e a minha mãe gozou. Nunca mais falei.
-Não faças isso. Cada um fala á sua prrróprria maneirrra. Ninguém fala corrrecto. Orra rrreparra!
Nesse momento, uma gaivota comentava com a outra o que tinha visto:
-Viste, aquele mexilhãoe. Era enorme! – espantada com o tamanho dos bivalves no Sul do país. Nunca tinha visto nada assim.
-Ah! Ah! – Sorriu Jejas.
Travou-se uma amizade entre a Caocha e o caranguejo que a partir desse dia, passou a ser o maior tagarela daquela foz de rio.

Comentários

. disse…
Caso ainda não tenhas escrito um livro, tinhas tudo para fazê-lo. Adoro a tua escrita, as tuas estórias, tudo. Escreves mesmo bem, caraças! ;)

Beijo*
Obrigado Olivia.
Já fui convidada para escrever um poema para uma colectanea de vários autores a uns anos atrás, chamada: Nas Águas do Verso.
Beijinhos
Unknown disse…
Concordo com olivia a tua escrita é fenomenal, dá-me imenso gosto ler os teus textos ;)
Obrigado Phil

Mensagens populares deste blogue

Felicidade

A Felicidade não se conquista, aprende-se!

Impossível amor eterno

O mundo tinha acabado de ser criado e apenas havia uma aldeia no topo das montanhas. Existiam três famílias, uma dedicava-se à pesca, outra à caça e outra à recolha de frutos. Todos realizavam as suas tarefas para o bem da comunidade e trocavam o resultado das suas actividades entre si. Os colectores eram amados por todos mas os pescadores e os caçadores odiavam-se entre si. Segundo eles, uma pessoa podia viver só comendo peixe ou só carne pelo que, não fazia sentido existirem as duas profissões. Um dia, Sol, filho dos caçadores apaixonou-se pela filha dos pescadores, Lua. Esta relação durou pouco tempo até que fosse descoberta e repudiada pelas famílias. Nos meios pequenos não existem segredos. O ódio foi tanto que decidiram afasta-los para sempre. O Sol passou a viver durante metade do dia e a Lua a outra metade, ficando o resto do tempo fechados numa gruta profunda das montanhas. Assim, os caçadores passaram apenas a procurar animais durante o período que o seu filho era liberto, a ...

Aos que me acompanham

Ouço todo o mundo dizer que “ o mundo dá muitas voltas”, que “ o que hoje tens como certo, amanhã pode não o ser”. Questiono-me agora acerca das pessoas que estão sempre ao teu lado, incondicionalmente. Os nossos pais, por exemplo, discutimos, brigamos, queremos muitas vezes que eles nos deixem viver a nossa vida. Contudo quando, mais uma vez “batemos com a cabeça” regressamos e eles tem sempre os braços abertos para nos receber. Os verdadeiros amigos também estão neste grupo. Aqueles que já nos viram fazer figuras ridiculas e nem sequer ligaram ao assunto. Continuam ao nosso lado. Estão dispostos a ouvirem-nos ás 3h da manhã porque, mais uma vez, a vida nos pregou uma partida. É claro, que, um dia, não por vontade própria, podem-nos deixar mas, nessa altura já tem um lugar tão grande no nosso coração que os torna Eternos .