
Naquela manhã parecia tudo diferente. As sombras das paredes envelhecidas pelo fumo da lareira pareciam mais sombrias do que nunca e o silêncio escurecia ainda mais a alma amargurada. Já não se ouvia o barulho dos chinelos nas escadas de madeira nem se sentia o odor de café acabado de fazer.
Era o primeiro dia que António vivia sem a mulher. Sentia que o seu mundo perdera o sentido. Arrastou-se pelas divisões da casa e sentou-se no alpendre. As galhinhas esvoaçavam, desesperadas por comida. Nem os seus ruídos o faziam mexer. Ficou assim até ir dormir.
Os dias corriam e pareciam todos iguais, até que um dia, um pequeno ratinho, já esfomeado por não ter restos de comida das galinhas para comer, se aventurou subindo as escadas, passando à frente de António, no alpendre, para ir ver se havia algo na cozinha para comer.
António, assustou-se pelo seu patinhar na madeira e ficaram os dois, perplexos a olhar um para o outro, com medo do que ambos poderiam fazer. De forma, imperceptível e sem saber muito bem porquê, António levantou-se, foi ao armário da cozinha, retirou uma côdea de pão rijo que havia sobrado e atirou-a para junto das patinhas do rato.
O pequeno animal aterrorizado, sem saber o que lhe atiravam, recuou e escondeu-se detrás de um vaso.
O velho homem, sentou-se novamente e aguardou, não retirando os olhos do canto do alpendre.
O rato, começou a sentir o cheiro de pão e correu com toda a força que as suas patinhas lhe permitiam, agarrando, entre os dentes, a côdea dura, desceu as escadas e fugiu.
E foi assim, que uma cumplicidade começou. No dia seguinte, António, levantou-se, lavou-se e vestiu-se de novo e foi à mercearia, para muita surpresa dos seus vizinhos, que já não o viam a algum tempo. Comprou mantimentos e regressou a casa.
Todos os dias à mesma hora, ambos tomavam o pequeno almoço juntos.
António, deixou-se de sentir sozinho e foi ganhando forças para recuperar a sua vida, dentro dos possíveis e hoje já sai de casa e convive com os vizinhos.
Nunca ninguém soube desta amizade nem o que deu novamente ao António força de viver. Mas aqui entre nós, também não precisavam de saber.
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