
Os dias na padaria do bairro já não eram os mesmos. O Sr. João tinha o estabelecimento desde da década de 70 e na altura dava para sobreviver. Agora, os únicos clientes eram os seus vizinhos, já idosos. A população da zona envelheceu e os jovens partiram para a periferia de Lisboa, aonde as casas são mais acessíveis.
A pessoa mais jovem era o seu empregado, o Toni. rapaz simples mas muito preguiçoso. Ia-se aguentando pois a idade do Sr. João já não lhe permitia fazer grandes esforços.
O dinheiro ia escassando e as poupanças eram mais que muitas. Tantas que a roupa do velho padeiro já se fazia notar. Seus sapatos andavam rotos.
Um dia, Toni, enquanto o Sr. João atendia uma cliente, resolveu brincar com os sapatos e fingir que eles falavam. Escondeu-se atrás do balcão e começou a falar, com voz alterada, enquanto o padeiro andava:
- Olá, Dona Rosa! Está muito bonita hoje!
Os dois vizinhos, espantados e sem saber muito bem de onde vinha a voz, olharam um para o outro e fingiram ignorar.
- Dona, Rosa, essa blusa às flores favorece-a!
A cliente olhou para todo o lado e reparou que quando Sr. João andava a voz continuava.
-Vizinho, os seus sapatos falam!! Estou a endoidecer!
-Ãhh!
O padeiro continuou a andar e a voz:
-Sr. João, não ande muito que nos cansa! Já temos muita idade!
A vizinha saiu depressa da padaria e espalhou a notícia nas redondezas. No início, ninguém queria acreditar, mas a brincadeira foi-se tornando recorrente, pois as vendas da padaria aumentaram drasticamente.
Toni, chegou a contar ao padeiro mas nenhum conseguiu parar pois o rapaz tinha muito jeito e sempre animava o bairro.
A verdade chegou a ser contada mas toda a gente pedia para a brincadeira continuar. As manhãs ficaram mais animadas. Ninguém resistia a ser atendida pelos sapatos falantes.
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