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A sua vida é única

imagem: net
De olhos fechados, suspirava sempre fundo, antes de cada actuação. A sua filosofia era nunca olhar para baixo e pensar sempre que seguia uma linha escrita no chão. O Visco Elástico, o caracol trapezista e contorcionista era a estrela do circo itinerante. Equilibrar a carapaça em cima de uma corda, esticada a alguns metros de altura, apenas com uma rede de segurança no chão, era um feito único. Não havia nenhum caracol no mundo capaz de fazer aquilo.
-Aonde aprendeu a sua arte? – Perguntava no final do espectáculo, a minhoca Pinkoca, a apresentadora do programa “A sua vida é única”.
-Aprendi na Horta!
-Na Horta? Mas muitos colegas seus também se alimentam em Hortas e não conseguem fazer o que faz! - Exclamou a apresentadora.
-Sabe, Pinkoca, enquanto os meus irmãos viviam muito sossegados, a passear de folha em folha para se alimentarem eu sempre gostei dos caules. Quando passava de couve para outra couve tentava sempre o caminho mais difícil, que era passar entre os caules. Para mim, as folhas, serviam apenas para me alimentar. Os meus irmãos achavam que eu era doido em arriscar a vida pelos caminhos mais difíceis.
-O que foi feito dos seus irmãos?
-Olhe, o mais velho vive na Horta ainda! Nunca saiu de lá. Agora enfrenta a ameaça de perder a casa porque parece que os humanos vão construir um centro comercial na zona. O mais novo, lamentavelmente, já não está entre nós. Morreu a querer ser livre.
-Livre?
-Sim. Um dia decidiu que queria ser diferente de todos os outros e abandonou a carapaça. Foi comido por um pássaro. Um acto de loucura. Tinha a mente desocupada e a ideias más ocuparam-se dele.
-Vai ajudar o seu irmão mais velho?
-Claro que sim. Já está a viver comigo.
-Não tem medo da idade? De, quando for velho já não conseguir ter equilíbrio e a agilidade?
-Claro que não.
-Mas sabe que a vida de artista é curta?
-Sei. O artista pode morrer mas o corajoso será o último a perder o fôlego. Vocês podem deixar de falar de mim um dia, porque já não faço nada que vos atraia mas tenho a certeza que haverá algo que poderei sempre fazer. Poderá não ser nobre aos olhos do público mas rico para mim.
-Então tem em vista um futuro negócio milionário? Montar um circo?
-Minha amiga, você não vê mais nada além do espectáculo, pois não? O que me interessa na velhice ser rico em dinheiro? Quando deixar o Circo quero é ser nobre por dentro. Porque essa nobreza e essa arte me acompanharão até ao tal último fôlego.
Pikoca, desliga o gravador:
-Odeio esta profissão, sabe? O que os espectadores querem ver é o sucesso, os casos amorosos, o passado familiar e nunca o que as pessoas são mesmo.
-Sabe porquê?
-São fúteis?
-Não! Os seus espectadores não querem saber de alguém como elas. Todos somos iguais. Para isso é melhor olharem-se ao espelho. Querem acreditar no sonho que um dia alguém conseguiu ser livre e andar por outros ramos que não a sua própria folha de couve.

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