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Despertar

De corpo saturado do stress do trabalho e a mente extremamente ocupada com a lista de itens pendentes, António, vivia os seus dias, entre o trabalho e a casa, que se destinava apenas para dormir.
Saía cedo todos os dias, passava pelas ruas, sem ver ninguém. O seu pensamento estava nos ficheiros e relatórios pendurados no seu escritório.
Aquele dia não era diferente. Tinha prazos a cumprir e reuniões importantes para participar. Saiu de casa, apenas com um café no estômago.
O cansaço era imenso. Entrou no elevador e deparou-se com a vizinha de cima que trazia a sua filha pela mão.
-Olá! – Disse a criança.
António, quase não ouvia, não fosse a criança repetir insistentemente:
-Olá! Olá!
-Cala-te Mariana! Deixa o senhor! Não o aborreças!
O senhor, de gravata e cara sisuda, olhou para baixo e quando ia abrir a boca para falar, nada saiu, senão um sorriso forçado.
A porta do elevador abriu, a vizinha saiu e a criança seguiu-a, sem nunca largar sua mão. Contudo, olhava para trás, para aquele senhor sério, mudo, que não lhe falou. Levantou o braço e apontou o dedo:
-Adeus! Até logo.
António, ficou no elevador. As portas fecharam-se e não conseguiu sair. Ficou estático e bloqueado no tempo. Alguém pediu o ascensor e a máquina subiu novamente.
O idoso do último piso, vinha com o seu cão a passear:
-Bom dia! – Referiu.
O silêncio continuou nas palavras do senhor sisudo de gravata. O cachorro, sentou-se e ficou sério a olhar para António, como se lhe quiser dizer alguma coisa, mas sem tentar por saber que não o iria entender. Limitou-se a ficar estático.
O rés-do-chão chegou, a porta abriu. O velhote saiu e puxou o cão mas ele não se mexeu. Ficou parado a olhar para António.
-Anda, Farrusco! Vamos à rua!
O animal teimava em não se mexer. O idoso, desesperado, puxava com toda a sua força. Nenhum se mexia dentro daquela caixa. As forças do velhote falhavam e o seu equilíbrio deixou-o, acabando por cair.
António, ouviu o barulho, no fundo das imagens dos olhos da criança e do cão que, permaneciam na sua mente. Finalmente, se moveu para ajudar o idoso. O cão saiu do elevador, nervoso e preocupado com o dono.
O homem sisudo e de gravata, saiu do prédio, pegou no telemóvel e ligou:
-Chefe, desculpa, mas não vou trabalhar! Vou tirar o dia de férias! Sim eu sei que hoje havia prazos, mas ontem e no ano passado também os houve e sempre os cumpri.
Entrou no carro ainda com o telemóvel na mão e procurou um número, há muito não visto na agenda.
-Susana!
-António, és tu?
-Sim!
-Estás bem?
-Sim, posso ir ai ver o João Maria?
-Claro que podes! Ele não teve aulas hoje!

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