Avançar para o conteúdo principal

Um poste é sempre um poste

Saído da fábrica, acabadinho de nascer, estava um poste numa camioneta da autarquia. Ia ser colocado numa das ruas mais movimentadas da cidade.
-Já sabes para onde vais? – Perguntava um banco de jardim.
-Sim, ouvi uma conversa dos homens a comentarem que, me iam colocar na Avenida da Liberdade e pintar de cor-de-rosa.
-Que giro! Eu também vou para lá! Também vou ser cor-de-rosa mas com um círculo branco. Será que vamos ser vizinhos?
Chegados à Avenida, sofreram os solavancos da camioneta, a tentar subir o passeio. Primeiro tiveram que esperar que um reboque tirasse um dos carros que estava a tapar as obras. Depois, a subida e por fim a travagem em cima da calçada portuguesa.
-Ai, ai, estou todo dorido!
-E a mim, doem-me os pés. Bati contra uma das paredes da camioneta na subida. Pensemos positivos! Vamos viver o resto da vida sossegadamente. Ser apreciados por turistas. O que pode correr mal?
Foi um dia bem comprido. A grua, para colocar o poste, demorou a chegar por causa do trânsito e já o banco do jardim estava pintado e o poste ainda estava na camioneta deitado à espera.
-Que tal? A vista é bonita?
-Sim, é linda! Vamos ficar mesmo em frente ao Teatro Tivoli. As estrelas de teatro vão passar todas por aqui. Vai ser o máximo!
Chegada a grua, o poste foi colocado no seu local, entre as árvores. Mal via o teatro. Aliás só via mesmo o telhado do prédio. Dali, dificilmente veria os artistas.
Após a sua implementação, seguiu-se a pintura. Afinal, não ficou todo cor-de-rosa. Só lhe pintaram o pé. O resto ficou verde como todos os outros seus irmãos. Aliás, se não fosse o banco do jardim a dizer-lho, ele lá de cima mal conseguia ver por causa da ramagem das árvores.
Os homens foram embora e aguardava-lhes uma noite calma. Não havia sessão de teatro.
Ao anoitecer, uma senhora andava a passear o seu caniche pelo jardim. O animal mal viu o poste, acabadinho de pintar de cor-de-rosa, não hesitou em cheirar e bem, levantar a pata e fazer do pé do poste sua casa de banho pública:
-Ei, ei, o que estás a fazer? Estás-me a estragar a pintura! Já só tenho o pé pintado e agora vens tu!
O animal nem olhou para trás e continuou o seu passeio.
Meia hora depois, um senhor que passava pela Avenida, dado que não se podia sentar no banco do jardim porque tinha uma fita à volta, encostou-se ao poste a fumar.
-Ai, ai, a minha pintura!
O humano não ouvia, nem percebia e continuou encostado. Parecia à espera de alguém.
-Estou cansado! Já me custa suportar a lâmpada! Banco! Banco! Não podes ajudar?
-Não posso fazer nada! Os homens puseram esta fita à minha volta mas não puseram a volta do teu pé.
Passado algum tempo, o homem senta-se e adormece encostado. Ficou ali a noite toda.
No dia seguinte, foi embora assim que uns jovens chegaram para colar um cartaz:
-Banco, banco! Como está a minha pintura. Estou exausto! Não consegui dormir!
- A tua pintura já mal se vê. A poluição e os maus tratos das pessoas já a estragaram. Está quase da cor do resto.
-Então que me serve estar aqui na Avenida e  ter uma cor diferente de todos os outros?
-Amigo,  podes estar pintado por fora de outra cor mas no fundo, continuas a ser um poste e os postes sofrem todos o mesmo!

Comentários

Unknown disse…
Gostei... Somos o que somos ou o que fazem de nós :)

Novas Tendências em breve :)
Sofá Amarelo disse…
Acho que somos mais o que os outros querem fazer de nós...

Mensagens populares deste blogue

Felicidade

A Felicidade não se conquista, aprende-se!

O sonho do André

André tinha um sonho. Adorava brincar ao ar livre, nos jardins e parques da cidade. Gostava de saltar de pedra em pedra, como se estivesse a jogar na calçada portuguesa, mas, sempre que o fazia, sentia-se um bocadinho triste. E sabem o que o fazia sentir-se assim? O lixo espalhado pelo chão. André gostaria de ter uma vassoura mágica que varresse tudo ou uma borracha gigante que apagasse o lixo e um pincel para voltar a colorir de verde os jardins e de cinzento os passeios. Não conseguia perceber por que razão as pessoas deitavam lixo no chão quando havia caixotes espalhados pela cidade. Gostava de pensar que as pessoas não podiam ser tão descuidadas assim. Imaginava que existia um monstro do lixo que, ao tentar comer o lixo dos caixotes, deixava cair pelo chão pacotes de sumo, latas de cerveja e muitas outras coisas. Certo dia, na escola, a professora pediu a todos que desenhassem o que gostariam de ser quando fossem grandes e escrevessem um pequeno texto sobre isso como trabalho de ca...

Semelhanças

Aiii...começo a preocupar-me com algumas das semelhanças com os meus pais, estou a ficar com o maior defeito da família: o esquecimento!!! Roupa esquecida na máquina de lavar???? Que coisa, os genes, acabamos por ficar com uma mistura dos do pai e dos da mãe e com a idade começam a tornar-se mais evidentes.