Avançar para o conteúdo principal

Uma corrente de um só elo

O décimo segundo degrau e último de uma escada de ferro envelhecida, algures num prédio de Lisboa, convencido da sua independência, apregoava:
-Sou o degrau mais alto desta escada, logo, sou o melhor e o mais perto do topo. Sem mim ninguém chega ao telhado!
No exterior daquele prédio já ninguém tocava há muitos anos. O senhorio havia desistido há muito da manutenção uma vez que, as rendas eram muito baratas. Há alguns anos ainda pensou em que poderia beneficiar das obras coercivas mas com a crise a autarquia parou com esse tipo de investimento.
As pessoas que lá moravam eram idosas e como tal não subiam as escadas de acesso ao telhado e nem deviam porque estava enferrujada e muito deteriorada com o tempo.
Contudo, estes factores não desanimavam o décimo segundo degrau. Sempre se achava o mais importante e agora com a rabugice da idade estava muito pior.
Certo dia, uma aranha que fazia a sua teia na beira do telhado, descansava nos seus fios à espera de que algum insecto ali caísse e servisse de refeição.
-Sou o melhor degrau! O mais alto degrau!
A aranha já sem conseguir dormir:
-Podias calar-te! Há aqui quem precise de descansar!
-Eu estou fixo a esta parede. Posso fazer o que quiser e quem vem por acréscimo que tolere. Tu tens pernas podes ir para outro sítio.
A aranha, muito ofendida com a resposta, deslocou-se até ao degrau debaixo do décimo segundo e começou a fazer uma teia. Desfiou, enrolou e elaborou a maior trama e mais forte que conseguiu deixando apenas um fio ligado à sua teia original.
O degrau reparou na construção mas não deu muita importância porque não era em si mas sim no seu vizinho de baixo, que já estava muito, mas muito envelhecido. Os suportes entre ele o degrau debaixo já eram muito frágeis e nem ligou.
-Tenho a maior vista da escada! Sou o melhor de todos os degraus! Até as aranhas fazem casas nos meus vizinhos.
O aracnídeo cansado de tanta conversa, puxou o fio. A escada muito frágil abanou.
-Que abanem os degraus abaixo de mim! Cá em cima nada me afecta!
A aranha deu mais um esticão, outro e mais outro. Até que a escada começou a ranger. De repente ouviu-se um estalo e partiu. Todos os restantes degraus ficaram presos ao décimo segundo apenas por um pedaço de metal.
-Caiam todos e deixem-me aqui. Estou preso ao telhado!
A escada agora abanava mais que nunca. Os parafusos que prendiam o último degrau começaram a ceder, a ceder.
-Ai, o que se passa? Parafusos! Não me deixem cair!
-Não vamos conseguir! A oscilação é muito forte! Não aguentamos!
O décimo segundo degrau começou a ficar nervoso:
-Amiga, aranha! Podias-me salvar e fazer uma das tuas teias para me proteger quando o resto da vizinhança cair!
A aranha, pensativa, roçou os seus grandes dentes e disse:
-Eu até te ajudaria, degrau mas não o vou fazer!
-Porquê? Eu deixo-te fazer a tua casa em mim!
-Tu darias uma boa casa. Estás alto e relativamente em bom estado!
-Estás a ver! Que bom! Quer dizer que me vais salvar?
-Não, não vou! A minha casa é composta por centenas de fios todos ligados entre si. Quando, um quebra os outros suportam-no até que eu tenha tempo para o recompor. Jamais faria a minha casa num elo que pensa ser uma só corrente.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Felicidade

A Felicidade não se conquista, aprende-se!

O sonho do André

André tinha um sonho. Adorava brincar ao ar livre, nos jardins e parques da cidade. Gostava de saltar de pedra em pedra, como se estivesse a jogar na calçada portuguesa, mas, sempre que o fazia, sentia-se um bocadinho triste. E sabem o que o fazia sentir-se assim? O lixo espalhado pelo chão. André gostaria de ter uma vassoura mágica que varresse tudo ou uma borracha gigante que apagasse o lixo e um pincel para voltar a colorir de verde os jardins e de cinzento os passeios. Não conseguia perceber por que razão as pessoas deitavam lixo no chão quando havia caixotes espalhados pela cidade. Gostava de pensar que as pessoas não podiam ser tão descuidadas assim. Imaginava que existia um monstro do lixo que, ao tentar comer o lixo dos caixotes, deixava cair pelo chão pacotes de sumo, latas de cerveja e muitas outras coisas. Certo dia, na escola, a professora pediu a todos que desenhassem o que gostariam de ser quando fossem grandes e escrevessem um pequeno texto sobre isso como trabalho de ca...

Semelhanças

Aiii...começo a preocupar-me com algumas das semelhanças com os meus pais, estou a ficar com o maior defeito da família: o esquecimento!!! Roupa esquecida na máquina de lavar???? Que coisa, os genes, acabamos por ficar com uma mistura dos do pai e dos da mãe e com a idade começam a tornar-se mais evidentes.