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Casa esburacada

-Vrum! Vrum! Yuppie aqui vou eu! Uma pedra, não um buraco! Sopra, sopra, sopra senão vou cair em cima da vizinha! – Dizia uma folha enquanto voava da estrada para o passeio e vice-versa.
Os carros passavam e faziam-na saltar de sítio em sítio. O seu dia era assim passado. Considerava-se uma viajante.
-Vrum! Vrum! Entre pedras eu ando e de buracos eu fujo.
O trânsito estava agitado nesse dia e quanto mais carros mais a folha saltava a voava.
Certa altura foi parar a um lugar de estacionamento vazio. Uma mota aproximou-se e parou nesse lugar. Quase que a pisava. Foi por um triz.
Naqueles dias de Outono o tempo era instável e o céu ameaçou chover. As primeiras gotas começaram a cair. O dono da mota, receoso resolveu sair a correr. O vento que fez foi tanto ao sair que a folha saltou só que desta vez não foi para outra pedra ou para outro buraco.
-Está escuro aqui! – Gritava a folha.
Habituada à liberdade das pedras e dos buracos da rua não sabia aonde estava. Ao longe apenas se ouvia o barulho da mota.
Certa altura o som parou.
-Ai, o chão está a mexer! O que se passa?
O motociclista quando chegou a casa e sacudiu o casaco a folha caiu em cima de um tapete fofo.
-Onde estou? Isto não é uma pedra. É um bicho? Está-me agarrar. Socorro!
Distraído o motociclista trocou de casaco e saiu novamente.
A folha ali ficou.
-Socorro! Larga-me! Onde estão os carros? Quero sair daqui.
As horas iam passando e a folha calou-se de cansaço.
De repente, ouviu risos de uma criança.
-André! Vai devagar!
O miúdo entra em casa a correr.
A folha, já adormecida de desespero, é arrastada por uma rajada e voa.
-Mãe, mãe! Olha que linda!
-É uma folha! Onde a apanhaste? Já te avisei que não gosto que tragas coisas da rua!
-Não foi na rua, mãe! Estava aqui em cima do tapete! É tão linda! É cor de laranja, a minha cor preferida. Posso ficar com ela?
-Podes, mas tens que a lavar primeiro!
O menino, animadíssimo com o seu novo brinquedo apanha a folha e corre a lava-la na casa de banho.
-André, coloca no parapeito da janela para secar!
A folha atordoada ali ficou. Triste, amachucada da lavagem.
O tempo aqueceu nessa tarde mas o vento ainda se fazia sentir.
O sol secou a folha.
-Carros, carros! Quero voar! Salvem-me!
Uma rajada mais forte de vento agarrou na folha e atirou-a para a rua, para o meio da estrada.
-Pedras! Pedras! Estou em casa! Vrum, vrum!

A nossa casa até pode ser feita de pedras e buracos. Pode ter vento e cair chuva mas é ai aonde somos verdadeiramente nós próprios.

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