Avançar para o conteúdo principal

O tamanho do trabalho

No armário de tachos e panelas do Sr. Joaquim já se notava a agitação dos preparativos para a grande noite de Concerto.
Durante o ano, as tampas iam treinando sozinhas com as respectivas panelas. De vez em quando, trocavam só para testar a afinação. Contudo, na maioria do tempo a cada testo seu tacho.
Eram treinos difíceis porque naquela noite apenas um iria ser selecionado pela grande Mestra, a panela de pressão, para tocar com a colher de pau.
-Mestra, este ano serei a selecionada, não é? – Questionava a tampa da panela de sopa.
- Sou a maior e faço mais som! – Reafirmava.
A Mestra, calada no seu canto, não respondia.
-Grande e sábia mestra! És a mais inteligente, a mais forte, a mais brilhante e resistente deste armário. Sabes que podes sempre contar comigo para o que precisares. Não sabes? – Afirmava, melosamente o testo da panela média.
No canto oposto do armário, dormitava a tampa do tacho pequeno, demasiado utilizada pelo Sr. Joaquim porque vivia sozinho e por isso muito cansada e amolgada pelo uso.
-Não dizes nada? – Perguntou-lhe a panela de pressão.
A tampa do tacho pequeno, abriu os olhos com muito custo e disse:
-Escolham aquela que entenderem. Eu sou muito pequena e ando cansada mas se for preciso vou – Respondeu.
-Ah! Quase que não se vai ouvir o teu som! És demasiado pequena. Eu fui criada para isto. Toda a gente me notará – Alertava a tampa da panela de sopa.
-Tu, não tens nada com isso! Só a Mestra tem sapiência para decidir! – Referia o testo da panela média.
A panela de pressão respirou fundo e calou-se.
Os dias foram-se passando. Na manhã da grande noite era comunicada a grande decisão. Todas as tampas das panelas aguardavam, excepto a do tacho pequeno que estava no lava-louça à espera de ser limpa.
-Então nobre Mestra? Já tomaste a tua decisão? – Perguntou o testo da panela média.
-E há alguma dúvida que serei eu? – Afirmava confiante a tampa da panela de sopa.
-A decisão não pode ser transmitida sem que estejam todos presentes! – Referiu a Mestra.
-Porquê? Algum dia a tampa da panela pequena irá ser usada para algo tão grandioso como o Concerto? Ninguém a ouvirá! – Queixava-se a da panela de sopa, muito indignada.
-Vamos aguardar, sff! – Pediu a Mestra.
O Sr. Joaquim, lá se levantou. Tomou o seu leite com a sua torrada e depois lavou a louça. Nesse dia não almoçava em casa. Ia a casa de um dos seus filhos.
Deixou a louça a escorrer enquanto se preparava para sair. Antes de vestir o casaco foi a cozinha e arrumou tudo nos armários.
No armário dos tachos, a agitação voltou:
-Mestre dê-nos a vossa sempre sábia decisão!
-Caros amigos! Foi uma decisão muito difícil!
-Porquê? – Questionavam em coro as tampas maiores.
-Porque tenho que dar que fazer a alguém que se farta de trabalhar o ano inteiro e merecia descansar! Escolho a tampa da panela pequena!
-Ela é tão reduzida! – Afirmava tampa da panela de sopa.
-Se o trabalho é dado aos pequenos porque é que o mérito seria dado aos maiores?
As outras duas tampas calaram-se.
A noite do Concerto chegou. As dozes badaladas soaram no velho relógio da sala e na janela a tampa da panela pequena tocou, tocou com todas as suas forças. O seu som destacava-se por entre as dos outros vizinhos, não pela intensidade mas pelo toque certo na altura certa. Típico de quem aprendeu com o trabalho diário.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Felicidade

A Felicidade não se conquista, aprende-se!

O sonho do André

André tinha um sonho. Adorava brincar ao ar livre, nos jardins e parques da cidade. Gostava de saltar de pedra em pedra, como se estivesse a jogar na calçada portuguesa, mas, sempre que o fazia, sentia-se um bocadinho triste. E sabem o que o fazia sentir-se assim? O lixo espalhado pelo chão. André gostaria de ter uma vassoura mágica que varresse tudo ou uma borracha gigante que apagasse o lixo e um pincel para voltar a colorir de verde os jardins e de cinzento os passeios. Não conseguia perceber por que razão as pessoas deitavam lixo no chão quando havia caixotes espalhados pela cidade. Gostava de pensar que as pessoas não podiam ser tão descuidadas assim. Imaginava que existia um monstro do lixo que, ao tentar comer o lixo dos caixotes, deixava cair pelo chão pacotes de sumo, latas de cerveja e muitas outras coisas. Certo dia, na escola, a professora pediu a todos que desenhassem o que gostariam de ser quando fossem grandes e escrevessem um pequeno texto sobre isso como trabalho de ca...

Semelhanças

Aiii...começo a preocupar-me com algumas das semelhanças com os meus pais, estou a ficar com o maior defeito da família: o esquecimento!!! Roupa esquecida na máquina de lavar???? Que coisa, os genes, acabamos por ficar com uma mistura dos do pai e dos da mãe e com a idade começam a tornar-se mais evidentes.