-Não feches a porta com tanta força!
-Esta noite ficou aberta! Olha que, qualquer dia assaltam-nos a casa!
Recordava, sentada no sofá, de olhar fixo naquela tábua de madeira que há dias não se abria. Só quando a assistente social vinha visitá-la.
O som da TV ecoava no silêncio mas os seus ouvidos apenas ouviam as memórias de um passado distante. Recordações de agitações de uma família numerosa de três filhos.
As receitas e coscuvilhices transmitidas durante o dia nos canais de sinal aberto de TV cansavam-na. Gostava de sentir o som da companhia mas por vezes voava até à humanidade do passado.
-Ai, vocês parem de correr!
-Não batam com tanta força na porta! Não sou surda!
Era como se os seus filhos voltassem a ser pequenos, a correr e a sorrir pela casa fora. Revia as entradas e saídas. Sentia o Toc Toc de quando regressavam da escola como se fosse nesse momento a sua hora de chegada.
Adormecia, sonhava e acordava num ciclo inconsciente, apenas quebrado pelo genérico da novela das 19h. Era altura de aquecer a sopa do jantar.
Ainda voltava ao sofá, para ver apenas o telejornal. O seu corpo precisava que se deitasse cedo.
Antes de dormir, aproximava-se da tábua velha de madeira que a separava do mundo e acariciava-a com mão. Era como se desejasse boa noite. Um cumprimento que ninguém recebia mas creio que naquele singelo gesto havia um anseio que do outro lado, alguém o recebesse.
Acordava cedo. Gostava de regar as plantas que cuidava com carinho, na marquise.
-Estás cada vez mais bela!
-Gostas muito de ver quem passa! Vou-te virar ao contrário senão ficas torta!
Eram as suas únicas palavras durante dias. Porque falava com as plantas? E porque não? Se as únicas palavras que se ouviam, as da TV, era de alguém para alguém sem ser para ninguém em particular.
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