A “Grande Marcha da Mouraria” preenchia
o ar de animação popular. Quem passava não ficava indiferente aos cantos
coloridos com balões papel, às janelas perfumadas com manjericos e ruas
decoradas com fios de papel. Muita cor, muita vida e imenso fulgor se sentia
nas ruas de Lisboa.
Aquela praça não era exceção. Todos
os anos a barraca da Ti Maria vendia farturas e algodão doce adoçando a boca de
quem passava.
Uma fartura acabadinha de fazer enroscada em açúcar
e canela tinha sido colocada mesmo debaixo de um algodão ainda quente.
- Dourada como o Sol e esguia como uma Sereia! – Dizia o
algodão.
A fartura deitada num manto branco acastanhado, embalada com
a música nem ouviu.
-Dourada como o Oiro e esguia como uma Deusa! – Repetiu mais
alto.
- Estás a falar para quem?
-Para ti, dirijo a minhas palavras meu doce!
A fartura espantada com o piropo e até um bocado chocada
respondeu:
-Com o Sol fui aquecida e de Oiro benzida,
Sereia não serei mas
doce como uma Deusa viverei.
-Oh! Que voz tão bela! Queres ser minha namorada nesta noite
de Santo António?
-Com o Vento foste insuflado e de palito rodado,
Belo não serás mas gordo com um Príncipe viverás.
O algodão doce, triste começou a chorar. As suas lágrimas escorriam
como gotas de uma nuvem cobertas com fios brancos.
A fartura foi ficando cada vez mais doce e branca com as
lágrimas do algodão.
-Ao trono fui levada e de manto branco,
de Deusa banhada.
O algodão foi-se desfazendo até que desapareceu.
A fartura toda coberta por um tecido branco e de ego bem
inchado ali ficou.
Um cliente chegou à barraca e perguntou:
- Queria uma fartura bem estaladiça, dourada e docinha!
A noite tinha corrido muito bem e a Dona Maria agarrou na
fartura que restava e reparou que estava coberta de algodão.
-Meu amigo, tem imensa sorte. Tenho aqui uma promoção: uma
fartura e um algodão num só.
O cliente, muito espantado reparou no doce.
A fartura de ego inchado pensou:
-A promoção é inválida,
um tesouro achado é
um dádiva!
- Desculpe, mas não quero! Farturas para mim são farturas!
Algodão doce é algodão doce.
A Dona Maria, sem hipótese atirou-a para o balde do lixo e
fechou a barraca.
Já muito tarde na noite, após as festas encerradas. Uma voz
trémula, do último sopro do algodão doce que cobria a Sereia dourada, se ouviu:
- O meu coração te entreguei e em lágrimas acabei.
Amada dourada,
doce esperada,
Deusa te encontraste mas
no lixo terminaste.
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