Duas botas viviam juntas nos pés
de um velhote. O senhor nunca calçava outro tipo de calçado. O dinheiro não era
muito.
Certo dia a bota esquerda acordou
com um buraco. O seu dono reparou no estrago mas não havia nada a fazer senão
evitar as poças para não molhar os pés.
As duas botas habituadas a serem
totalmente iguais lá continuaram. Sempre que a esquerda andava mais devagar a
da direita esperava.
Cansado da situação, o dono juntou
dinheiro e mandou fazer um remendo na bota estragada. Nesse dia numa caminhada,
o velhote ganhou confiança e subiu pedras, saltou poças e deu pontapés em paus.
A aventura foi tanta que a bota
da direita, sem qualquer proteção extra ficou também com um buraco.
O dono muito chateado e triste
pois já não tinha mais possibilidades de mandar remendar a segunda bota voltou
ao seu ritmo e limitações anteriores.
Nessa noite estava muito cansado
de tanta agitação e ao calor da lareira retirou as botas para apanhar calor nos
pés. De repente, ouviu uma voz:
-Doente tu, estiveste e eu por ti
esperei! Curada tu, ficaste e eu me magoei!
Olhou em volta e não viu ninguém.
Pensou que fosse o vento lá fora.
-Doente tu, estiveste e eu por ti
esperei! Curada tu, ficaste e eu me magoei!
Baixou o olhar e viu que quem
falava era a bota estragada. Não queria acreditar.
-Estou a ficar doido! – Pensou.
-Doido não estás e louco não
ficaste!
Outra voz soou no silêncio:
-Triste eu estava por te travar!
Feliz eu fiquei por te acompanhar!
O velhote cabeceou e acordou. Olhou
para as suas botas e elas ali estavam esquecidas.
Tomou consciência que estava a
sonhar. Concentrou o olhar na lareira e pensou: as botas são iguais e sempre
viveram felizes até uma delas adoecer. As limitações de uma foram acompanhadas
pela outra. A bota sã esperou pela outra sempre. Quando uma das botas foi
remendada ficou tão feliz que quis tanto compensar a outra por todas limitações
passadas que caiu no exagero.
A verdadeira ajuda é dada e não
recompensada.
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