Os reflexos das sombras

Junto a um caixote do lixo, estava um espelho largado, encostado a uma árvore. Era uma tarde de calor e apesar de o Sol já estar inclinado ainda se fazia sentir as altas temperaturas. O chão encontrava-se pintado de escuro com as sombras das folhas. A luz do reflexo no espelho contrastava com os traços pintados no chão.

Um corvo pousou em cima de um dos ramos encantado pelo brilho do espelho e curioso por ver o seu reflexo. Ficou parado a ver a sua imagem no vidro e à frente os traços escuros da sua sombra, meio inclinada. De repente os seus pensamentos foram interrompidos:

-Estás belo! – Ouviu.

-Quem fala?

-Aqui em baixo, o espelho!

-Este calor está a dar-me cabo do bico. Estou a ouvir coisas! Tenho que ir beber!

-És belo, olha para mim, mostro-te as cores!

Inclinou a cabeça para baixo e reparou que do espelho saía uma voz:

-Esquece a sombra, eu consigo mostrar-te exatamente como és.

O corvo meio atordoado, levantou a cabeça e comparou as duas imagens, a da sombra e a do espelho e não viu grandes diferenças.

-Desculpa, porque hei de olhar para ti?

-Corvo, tonto! Eu mostro as cores enquanto a sombra reflete apenas a tua forma!

-Diz para se virar ao contrário! – Ouviu-se uma voz, baixa e calma!

-Quem é agora?

-Sou a tua sombra!

O corvo já meio saturado daquela história:

-Espelho, tu consegues virar-te ao contrário?

-Sim, porquê?

-Queria ver melhor as diferenças entre o meu reflexo e a minha sombra.

O espelho, muito confiante de si próprio, nem pensou que se virasse ao contrário o corvo deixaria de ver o seu reflexo.

Quando se virou, passou a refletir apenas a sombra do pássaro.

-E agora, vês como és mais belo visto em mim?

-Não, o que mostras agora é o meu desenho em negro, que é a minha cor. Não há diferenças entre o meu reflexo e a minha sombra. A cor nada revela, apenas embeleza o que já existe.

O espelho virou-se ao contrário e calou-se.