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A mostrar mensagens de maio, 2013

Farto amor doce

A “Grande Marcha da Mouraria” preenchia o ar de animação popular. Quem passava não ficava indiferente aos cantos coloridos com balões papel, às janelas perfumadas com manjericos e ruas decoradas com fios de papel. Muita cor, muita vida e imenso fulgor se sentia nas ruas de Lisboa. Aquela praça não era exceção. Todos os anos a barraca da Ti Maria vendia farturas e algodão doce adoçando a boca de quem passava.  Uma fartura acabadinha de fazer enroscada em açúcar e canela tinha sido colocada mesmo debaixo de um algodão ainda quente. - Dourada como o Sol e esguia como uma Sereia! – Dizia o algodão. A fartura deitada num manto branco acastanhado, embalada com a música nem ouviu. -Dourada como o Oiro e esguia como uma Deusa! – Repetiu mais alto. - Estás a falar para quem? -Para ti, dirijo a minhas palavras meu doce! A fartura espantada com o piropo e até um bocado chocada respondeu: -Com o Sol fui aquecida e de Oiro benzida,  Sereia não serei mas doce como uma Deusa vive

Pulga sem abrigo

Uma pulga salta para a pata de um cão, este ao senti-la, leva a pata junto ao focinho e diz-lhe entre dentes: -Sai daqui senão mordo-te! A pulga salta logo e regressa à relva. Passados uns momentos encontra um gato. Nem pensa duas vezes e salta logo para a sua pata. O gato ao senti-la sacode com a outra pata de unhas afiadas e diz: -Sai daqui senão arranho-te! O inseto vai para a relva novamente e ali fica. Após algum tempo passa o Coelho na sua caminhada e na falta de alternativa resolve saltar-lhe para a perna. Coelho, ao sentir a primeira picada diz: -Sai daqui senão despeço-te! A pulga, muito intrigada, perguntou: -O que é isso? -Tiro-te o trabalho, mando-te para casa durante uns tempos e depois para a rua sem ordenado! A pulga não saltou. O Coelho já cheio de comichão pergunta: -Porque não foste embora e não paras de me morder? -Porque não podes tirar o que já não tenho, mandar-me para algo que nunca tive  e voltar a pôr-me de onde nunca saí.

Tudo e um par de Botas

Há muito mas muito tempo vivia um sapateiro chamado Botas que passava os dias a criar sandálias e chinelos. O calçado da altura. Não havia mais nada. Apenas as pessoas ricas andavam calçadas. Todas as outras andavam descalças, o ano inteiro. Certo dia de Inverno muito chuvoso, o sapateiro chegou ao trabalho todo molhado e cheio de lama nos pés. Não havia muito trabalho nesses dias porque os ricos não saíam de casa para não se constiparem. Apenas os pobres seguiam com a sua labuta fizesse chuva ou fizesse sol. Aborrecido com a pasmaceira. Olhou para os restos de pele de porco, espalhados pelo chão da sua sapataria e pensou: -Poderia limpar o chão mas não me apetece nada! Além disso, é um desperdício queimar estes bocados pequenos de pele. Entretido nos seus pensamentos olhou para os seus chinelos, junto a fogueira a secar e teve uma ideia. Varreu todos os pedaços para um monte e começou a cozê-los uns aos outros sem parar. Ficou com uma peça enorme. Cansado, adormeceu ao c

Estás a olhar para quê?

Um burro estava junto a uma árvore parado a olhar para um pássaro que se espiolhava. A ave já intrigada: -Estás a olhar para quê? O jumento, estático nem pestanejava. -Ai! Estás a olhar para quê? Oh burro! O animal absorto e imóvel continuava. -Era só o que faltava agora! Um burro especado a olhar para mim! – Falava a ave para si mesma. -Acorda! Jumento! Para já com isso! Não vês que estás-me a incomodar. Nada acontecia. O pássaro já desesperado não sabia o que fazer. O animal não se mexia.  Passado algum tempo, uma mosca poisou no rabo do burro e pico-o. O burro deu um coice no ar e desatou a correr pelo campo desalmadamente. O pássaro finalmente ficou sozinho. -Agora já posso limpar as minhas penas descansado! Após alguns momentos, a ave começou-se a sentir incomodada. Faltava ali qualquer coisa. Tentou fechar os olhos para dormitar e não conseguia. Olhava em volta da árvore e estava só. No fundo do campo, estava o burro! Num canto, entretido a comer umas

A corda do boneco

A entrevista tinha corrido bem. Estava com algumas esperanças de conseguir o cargo embora, saísse de lá com a sensação que não sabia muito bem para que servia. Pediam resistência e robustez apenas. No seu anterior trabalho, amarrava caixotes num armazém por isso estava habituada. Gostava de sentir o stress quando carregavam os camiões. Sentia-se forte e útil. A crise chegou e o dono decretou falência. Agora, após o envio de imensos currículos tinha conseguido uma entrevista. -É melhor que nada! – Pensava. No dia seguinte, ligaram-lhe a fazer-lhe uma proposta. Ficou radiante. Aceitou logo. Passados alguns dias começou a trabalhar. No início teve formação. Explicaram-lhe aonde tinha que exercer mais força, onde eram dados os nós, etc. Ia sempre para casa feliz e contente. Ninguém lhe explicava ao certo o que tinha amarrado. Apenas como fazê-lo e aonde. Após algum tempo, começou a trabalhar sozinha. Chegava todos os dias a horas. Esticava-se. Amarrava os nós e lá ficava. H

O ratinho de sabão

O ratinho Tutsy andava a procura de comida na despensa. Encontrou um pacote de bolachas de água e sal e encheu a barriga. Após o manjar, ficou com sede e decidiu procurar água para beber. Num canto da despensa estava um balde com água. A dona Ermelinda esqueceu-se de o despejar. O que era raro porque não gostava de armazenar águas paradas. O ratinho subiu para uma prateleira e saltou para cima do suporte da esfregona. Olhou lá para dentro e viu o seu reflexo. Cheirava bem. Pensou: -Água! Estou cheio de sede! Olhou em redor, pensando como poderia descer e principalmente como voltaria a subir. Decidiu agarrar-se a um fio da esfregona, pendurar-se de cabeça para baixo e beber. Assim o fez. A água tinha um sabor estranho mas como estava com tanta sede não desistiu. Após encher a barriga, voltou a subir. No entanto, começou a sentir-se um bocado indisposto. -Vou voltar para toca para dormitar um pouco. Ao saltar para a prateleira, soluçou e ao fazê-lo saiu da sua boca uma

Jardim dos Cravos

O Rei dos Sonhos encontrou-se no cruzamento das ovelhas sonolentas, no país das nuvens, com o Imperador dos Pesadelos. -Olá Mano! Como estás? -Estou de rastos! Tenho que arranjar alguém para me ajudar. Não dou conta do recado. -Puxa! Tens assim tantos pesadelos para entregar? -Muitos. Passei agora por Portugal e estou cansadíssimo. -Portugal, Portugal…Isso é junto a Espanha? -Não sabes onde é? -Claro que sei. Aliás houve uma altura da minha vida em que eu ia lá muito. Concedi muitos sonhos de esperanças: liberdade, prosperidade, paz… -Quando? -Salvo erro foi em Abril de 1974…Chamei-lhe o Jardim dos Cravos Vermelhos. -Agora, tenho lá ido muitas vezes. -Eles estão deprimidos, é? O que aconteceu ao Jardim? -Eles bem tentaram regá-lo durante muitos anos mas não sobreviveu às constantes pisadelas. Participação Tema de Maio da Fábrica das Letras