Esqueci-me de acordar...

Estou cansado! Vou-me deitar. Com os olhos fechados começo a ver uma luz chegar. Já será dia e não terei dado pela noite passar. É estranho por vezes. As horas que passamos, a dormir e é como se um segundo se tratasse.
Abro os olhos devagar e tento levantar-me da cama mas os meus membros não respondem às ordens que o meu cérebro dita. Reagem devagar, em marcha lenta como se estivesse a ver um filme em slow motion.
Levanto-me e tento espreguiçar as costas mas algo as impede de as esticar. Algo as prende. Sinto-me como um agrafador que não abre porque tem uma mola que o impede. Estou mais perto do chão. Bem, é da forma que não tropeço nos tapetes. Levantar os pés também é mais lento do que o normal. Devo estar doente. Vou ver ao espelho.
Meu Deus! Quem é este? Dou beliscões na face e sinto-os! Sou eu! Tenho cabelos brancos e rugas no rosto! Envelheci só numa noite ou dormi noites sem fim? O que se passou comigo? Vou acordar o meu filho pequeno, deixa-lo nos meus pais e vou às urgências.
Desloco-me ao quarto aonde ele dorme.
O que é que aconteceu? Não está cá ninguém! Os móveis estão velhos! O pó acumula-se nas prateleiras acusando falta de uso. Devo ter dormido anos, meu Deus! Será que estive em coma e acordei agora?
Estou-me a sentir tonto! Vou ligar à minha mulher que, a esta hora deve estar a chegar ao trabalho.
Pego no telefone e digito o número de cor. Nunca tive muita capacidade de memorização de números. Apenas sei o dos meus pais e este do trabalho dela. Coitada! Sai sempre mais cedo e chega mais tarde. É a vida!
-Estou sim! Eu queria falar com a Maria! É o José, o marido dela!
-Desculpe, aqui não trabalha nenhuma Maria!
-Oh! Não brinque comigo! Hoje é dia um de Abril é? Chame-a lá que é uma urgência familiar!
-Mas meu senhor, já não trabalha aqui uma Maria há mais de 20 anos!
Ai! Vinte anos! Eu dormi vinte anos! Onde está a minha mulher?
Vou comer alguma coisa, vou chamar um táxi e vou ao médico.
Chego à cozinha e não encontro nada para comer! Bolas! Há quanto tempo não vamos às compras? O trabalho está a dar cabo de nós. Por falar nisso, tenho que avisar o meu chefe que vou médico!
Sendo assim, vou vestir-me! Demoro tanto tempo! Sinto-me uma lesma a tentar chegar a uma folha de couve e só ver caule e mais caule!
-Estou sim! Chefe! Olha eu não me sinto bem! Vou às urgências!
-Desculpe, quem fala?
-Estou a ligar para o Banco Nacional Ultramarino? Queria falar com o Dr. Esteves!
-Esse banco já não existe meu senhor! Deve ter sido engano. Bom dia!
O quê? É mesmo a confirmação. Estive em coma e acordei agora. Tenho que ir já às urgências para eles verem se estou bem e avisarem a minha família.
Ah! Devem ser eles a tocarem à porta!
-Bom dia meus senhores!
-Bom dia, Sr. José!
-Como sabem o meu nome?
-Nós sabemos tudo! Venha connosco! Vamos cuidar de si! Vamos só dar-lhe esta injeção para descansar melhor.
-Eu não preciso! Acordei agora!
-Não vai doer.
Os meus olhos fecham novamente e sinto-me mole.
-Este velhote de vez em quando foge do Centro e vem para casa! Diz sempre que acordou agora! O alzheimer é uma doença mesmo muito triste.

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