"Cortem-lhe as pernas"
Há muito mas muito tempo, num reino muito distante um Rei
muito bondoso adoeceu. Os sábios e curandeiros pernoitavam ao seu lado, com
curas e mesinhas para tentar salvar a sua vida.
Certa noite, num sonho, uma bruxa apareceu ao Rei e
disse-lhe:
-Tua vida salvarás com a luz de Tornerá!
O Rei assim que acordou chamou todos os seus sábios e
contou-lhes o sonho. Nunca nenhum tinha ouvido falar de tal luz.
Um dos criados mais velhos ouviu a conversa e pediu
autorização para falar:
-Meu senhor! Posso falar?
-Fala meu caro homem!
-Já ouvi falar dessa luz. Está a iluminar o fim da Terra para
que as pessoas não caiam no abismo do Nada.
Os sábios olharam uns para os outros espantados.
-Meu, senhor! Vai acreditar num servo?
-E porque não devo acreditar? Se vocês que possuem a
sapiência e não me sabem dar resposta!
-Meu caro homem, como se chega a esse local?
-Dizem que é muito mas muito longe! Só alguém muito rápido
conseguirá chegar lá e voltar.
Os sábios falavam baixinho uns com os outros, numa raiva e
inveja alucinante.
-Calem-se! Agora saiam todos que preciso pensar!
Todos saíram.
No dia seguinte, o Rei mandou chamar os homens mais rápidos
do reino para uma prova no palácio.
Ordenou que fossem colocadas estacas nos limites das suas
terras. Os concorrentes teriam que apanhar as estacas e regressar o mais rápido
possível. O mais rápido receberia uma recompensa que se multiplicava por 10 se
conseguisse depois a luz de Tornerá.
Vieram muitos concorrentes, jovens, atletas e fortes. Os sábios
construíram para um deles uma poção mágica que acreditavam ser invencível.
A prova começou.
Passada uma hora. Um dos concorrentes chegou com as estacas
todas: um jovem magricela, pobre, sem ar de atleta e de nome Fesado.
O Rei, ao observar o vencedor temeu pela sua vida, mas era a
sua única esperança.
Assim sendo, Fesado partiu no dia seguinte. Os sábios muito
zangados mandaram um assassino partir atrás dele e cortar-lhe as pernas.
Os dias passaram e o rei definhava. Passado, uma semana,
numa manhã de nevoeiro cerrado, Fesado chegou ao palácio com uma lanterna na
mão que o orientava no meio das condições atmosféricas adversas.
Entrou logo no palácio e encaminharam-no para os aposentos
reais.
O Rei já mal falava e sussurrou:
-Conseguiste?
-Meu caro, senhor! Corri o mais depressa que pude, fugi a quem
me queria mal e ao chegar ao fim da Terra encontrei uma mesa com esta lanterna
mesmo no meio. Aproximei-me. Do outro lado da mesa não havia nada! Metade das
pernas estava em Terra e a outra metade pairavam no ar. Nesse nada.
-O que fizeste?
-Meu senhor tive receio que ao retirar a lanterna esta caísse
antes de eu a apanhar. Pensei, que teria que arranjar uma maneira de manter o
mesmo peso no centro da mesa. A única coisa que trazia comigo eram as moedas de
ouro que havia ganhado. Então aproximei-me. Quando ia a fazer a substituição
chegou um cavaleiro negro a cavalgar e a gritar:
- Cortem-lhe as pernas!
-Quem era?
-Não sei meu senhor! Não tive tempo. Com o susto peguei na
lanterna, deixei o saco e fugi. O cavaleiro que vinha em minha direção, não conseguiu
travar o cavalo a tempo, bateu na mesa e caiu no Nada.
-Traz-me a lanterna!
O Rei olhou para a lanterna e a esta começou a girar sobre
si mesma. A rodar, a rodar em torno de uma base.
O rei fechou os olhos com a luz. Na sala fez-se silêncio. Temia-se
o pior!
Passados alguns momentos a lanterna parou de tornear e
apagou-se. O Rei abriu os olhos e levantou-se da cama como se nada tivesse
acontecido.
Fesado, foi recompensado, ficando como homem de confiança do
Rei. Os sábios que tinham mandado cortar as suas pernas foram descobertos. Sua majestade
era demasiado bondosa. Então obrigou-os a ir a pé até ao fim da Terra, colocar
a lanterna no seu devido lugar. Pois o início do Nada deverá ser bem visível para
todos os que lá perto conseguirem chegar.
Comentários