O limbo da abóbora
Uma abóbora vivia num muro de um quintal. Nasceu ali e ali
tinha crescido. O muro fazia fronteira entre dois vizinhos que não se falavam. Tinham
discutido há uns anos atrás exactamente por causa desse mesmo muro.
A abóbora coitada estava na mesma situação. O seu pé era de
um dos vizinhos mas o facto de ter crescido numa fronteira fazia com que, a sua
propriedade fosse motivo de atrito. Assim e porque a sua existência não era
assim tão importante para que ambos sequer se dignassem a dividi-la a abóbora
lá ficou.
Suas irmãs que tinham crescido no chão eram cuidadas e
mimadas. Ela não. Vivia num limbo. Apenas alguns pardais se serviam do seu
corpo para ter uma visão mais elevada sobre as redondezas mas era apenas por
alguns momentos, pois assim que avistavam algum insecto que lhes cobiçasse o
estômago voavam e deixavam-na mais uma vez sozinha.
O tempo foi passando e as abóboras acabaram todas por ser
colhidas pelo dono e ai sim ficou ainda mais sozinha.
O inverno aproximava-se e ela tinha a perfeita consciência que
o seu tempo estava prestes a terminar. Sendo um ser vivo preocupava-se com a
sua descendência e até ai ela estava triste porque as suas sementes jamais
iriam germinar num muro de pedra.
Certo dia, quando um pardal poisou no seu topo, decidiu pedir-lhe:
-Fazes-me um favor!
O pardal, curioso por ouvir pela primeira vez a abóbora
respondeu:
-Sim! Diz!
-Dás-me uma picada e levas umas das minhas sementes contigo!
-Estás doida! Se eu fizer isso vais morrer dias depois!
-Eu sei!
-Então, porque queres fazer isso?
-Porque se não o não fizer as minhas sementes vão apodrecer
aqui comigo neste muro infértil, por todos, desejado e, por todos, abandonado.
-Hum. Tens a certeza?
-Tenho! Prefiro viver menos dias do que viver mais horas e
morrer com as sementes comigo.
O pardal assim fez. Bicou a casca da abóbora com toda a sua
força durante vários minutos e finalmente conseguiu escavar um buraco
suficiente para retirar uma semente. Agarrou-a com o bico e voou sem poder
dizer mais nada.
Nessa noite choveu imenso e abóbora não sobreviveu à
humidade dentro dela. No dia seguinte entregou-se ao apodrecimento. Ao final da
tarde o pardal regressou e pousou na sua casca já encarquilhada e disse:
-Enterrei a tua semente perto de um riacho num local muito
bonito. Ela vai ter água e vai de certeza crescer saudável.
A abóbora já sem forças respondeu:
-Obrigada amigo!
O pardal muito comovido pediu desculpa.
-Desculpa porquê?
-Matei-te!
-Não amigo! Tu deste-me mais do que alguém alguma vez me
deu: razão da minha existência!
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